15 de novembro de 2015

Cirurgia da obesidade: o papel do endocrinologista na equipe multidisciplinar

O estilo de vida atual caracterizado por alimentação inadequada, rica em produtos prontos de alto valor calórico, associada ao sedentarismo fez crescer o número de pessoas com excesso de peso. No Brasil, cerca de 10% da população possui índice de massa corpórea (IMC) maior ou igual a 30 kg/m2, ou seja, está obesa.
Entre as alternativas para o tratamento da obesidade, tem-se usado cada vez mais a cirurgia da obesidade ou cirurgia bariátrica. A cirurgia bariátrica consiste em um conjunto de técnicas onde o trato gastrointestinal (estômago e intestino) é manipulado para restringir a quantidade de comida e/ou diminuir a absorção dos alimentos tendo como objetivo a redução do peso.



De uma maneira geral, a cirurgia bariátrica pode ser indicada para pacientes com IMC maior ou igual a 40 kg/m2 ou IMC maior ou igual a 35 kg/m2 quando associado a outras doenças (diabetes mellitus tipo 2, apneia obstrutiva do sono, apneia do sono, doenças articulares, entre outras).
Devido à complexidade da obesidade como doença, o sucesso do procedimento cirúrgico somente é garantido se o paciente for devidamente avaliado e acompanhado por equipe multidisciplinar. Fazem parte desta equipe: o cirurgião geral, o anestesista, o nutricionista, o psicólogo, o fisioterapeuta, o psiquiatra e o endocrinologista. Podem fazer parte também: o clínico geral, o educador físico, o gastroenterologista e o cardiologista.
O papel do endocrinologista consiste em verificar a indicação, afastar causas secundárias de obesidade, avaliar o paciente quanto à presença de complicações associadas à obesidade e acompanhar o paciente no pós-operatório para prevenir e tratar as possíveis complicações clínicas e nutricionais associadas tanto à cirurgia quanto à obesidade.
Entre as causas secundárias de excesso de peso estão doenças da tireoide e da glândula adrenal além de distúrbios hipotalâmicos. Estas doenças são investigadas pelo endocrinologista quando existe suspeita clínica.
Com relação às complicações associadas à obesidade, destacam-se: pressão alta, elevação do colesterol e triglicerídeos, diabetes mellitus, apneia do sono, artrose, gota e depósito de gordura no fígado (esteatose). Antes da cirurgia, todos estes problemas devem ser devidamente avaliados e tratados, já que aumentam o risco cirúrgico. Uma vez que o emagrecimento comece a acontecer, várias destes problemas podem melhorar, exigindo assim ajustes nas doses das medicações em uso.
Além disso, o endocrinologista solicita exames para avaliar a condição nutricional do paciente no pré-operatório e regularmente no pós-operatório. Estes exames são importantes, pois após a cirurgia podem acontecer deficiências de nutrientes, mesmo com a suplementação feita de rotina. Por exemplo: devem-se dosar no sangue os níveis de vitamina B12 e de vitamina D. A deficiência destas vitaminas pode acontecer após a cirurgia e levar o paciente a anemia, doenças nos nervos, osteoporose e fraturas.
O acompanhamento médico com o endocrinologista também garante que o paciente não vá recuperar o peso após a cirurgia. Estudos recentes mostram que até metade dos pacientes que fazem cirurgia bariátrica recupera pelo menos 25% do peso perdido dentro de 10 anos. A educação continuada do paciente, a monitorização do peso e o tratamento medicamentoso, quando necessário, ajudam a evitar que a obesidade volte.
Se você pretende fazer cirurgia bariátrica, agende uma consulta com o endocrinologista para iniciar seu acompanhamento, que deverá ser mantido por tempo indeterminado. A ansiedade pela cirurgia e pelos seus resultados é compreensível, mas não deve atrapalhar a avaliação que é muito importante e não deve ser feita de maneira apressada. A cirurgia bariátrica não é milagrosa, mas funciona muito bem desde que a indicação, avaliação e seguimento sejam feitos corretamente.

Dr. Mateus Dornelles Severo
Médico Endocrinologista
Mestre em Endocrinologia
CREMERS 30.576

21 de outubro de 2015

Consumo de café e diabetes mellitus

A cafeína é sem dúvida o estimulante mais consumido no mundo. O café, além de melhorar o estado de alerta e certos parâmetros cognitivos, está associado a uma menor incidência de diabetes mellitus tipo 2. Vamos entender como isso funciona e como podemos nos beneficiar deste potencial preventivo.



Apesar de alguns estudos de curta duração sugerirem que a cafeína possa induzir resistência insulínica, isto é, dificultar que a insulina exerça sua função de facilitar a entrada da glicose (açúcar do sangue) nas nossas células, estudos de longa duração mostram exatamente o contrário. O consumo regular tanto de café quando de chá verde/preto ajuda a insulina produzida pelo pâncreas a funcionar melhor e isto leva à redução dos níveis de glicemia após as refeições e à prevenção do diabetes. Ainda não se sabe qual o mecanismo exato por trás deste benefício, mas existem fortes candidatos:
- o consumo de café cafeinado está associado ao aumento dos níveis de adiponectina, hormônio que sabidamente reduz a resistência insulínica.
- o café cafeinado também está associado ao aumento da globulina ligadora dos hormônios sexuais, o que pode ser capaz de modular efeitos biológicos da testosterona e do estradiol nos tecidos periféricos que captam a glicose.
- a cafeína é capaz de ativar o transporte de glicose para dentro das fibras musculares independentemente da insulina, efeito similar ao do exercício.
- o consumo prologado da cafeína, em modelos animais, pode modular a sinalização através do IGF-1 aumentando a sensibilidade à insulina.
Independentemente do mecanismo, diferentes estudos já apontaram diminuição do risco de diabetes mellitus tipo 2 com o consumo do café.  O maior deles trata-se de uma revisão sistemática que compilou dados de 9 estudos e avaliou o efeito do consumo de café em quase 200 mil pessoas nos Estados Unidos, Europa e Ásia. Neste estudo, foi observada uma redução no risco de diabetes de até 35 porcento. O consumo de 2 xícaras por dia  já se mostrou benéfico, e quanto maior foi a ingesta (até 6 xícaras)  menor foi a incidência de diabetes. No entanto, como trata-se da análise de estudos observacionais, a relação causa-efeito não pode ser provada apesar dos fortes indícios. Logo, o consumo de café como estratégia para prevenção do diabetes não é formalmente recomendada.
No entanto, apesar de não serem definitivas, as evidências pesam sim a favor do café como potencial aliado contra o diabetes. Mas como se beneficiar deste possível efeito protetor? A dose de até 400 mg de cafeína por dia, que equivale a duas xícaras, é bem tolerada pela maioria dos adultos. Contudo, pessoas com enxaqueca, ansiedade, tremores, insônia ou arritmias podem piorar da sintomatologia mesmo ingerindo pequenas quantidades da bebida. Ou seja, consuma moderadamente e na dúvida consulte seu endocrinologista.

Fonte: Dam RM, Hu FB. Coffee consumption and risk of type 2 diabetes: a systematic review. JAMA. 2005;294(1):97

Dr. Mateus Dornelles Severo
Médico Endocrinologista
Mestre em Endocrinologia
CREMERS 30.576

13 de outubro de 2015

Fatores de risco endocrinometabólicos do câncer de mama

Globalmente, o câncer de mama é a malignidade mais frequentemente diagnosticada e a principal causa de mortes por câncer em mulheres. Cerca de 50% dos casos de câncer de mama podem ser explicados por fatores de risco conhecidos. Estes por sua vez, podem ser modificados por mudanças socioambientais ou no estilo de vida. Discutiremos aqui os fatores de risco hormonais e metabólicos.


Algumas pessoas não sabem, mas o câncer de mama também pode acometer homens. Mas por quê a doença maligna da mama é 100 vezes mais frequente em mulheres? Devido ao efeito dos estrógenos, hormônios produzidos pelo ovário. O estradiol, o principal estrógeno, exerce efeito proliferativo sobre a mama e isto, por si só, já explica grande parte desse aumento de risco. Mulheres que tiveram a primeira menstruação cedo e a última tarde, acabam tendo uma exposição maior ao estradiol, com consequente aumento do risco de câncer. Os estrógenos fornecidos por via oral, em terapias de reposição hormonal, também podem aumentar o risco, devendo ser indicados com cautela. Isso quer dizer que a mulher deve procurar baixar seus níveis de estrógenos? Não. Isso seria antifisiológico. Essas informações servem para justificar e individualizar os programas de rastreamento de câncer de mama. Conhecendo a paciente, melhoramos a conduta médica.
Outros hormônios que podem estar associados ao aumento de risco são a testosterona e a insulina. Contudo, mais estudos são necessários para que se possa estimar melhor o efeito destes.
O principal fator de risco metabólico para o câncer de mama é o excesso de peso. O aumento do risco fica em torno de 20% e é explicado pelo aumento da produção de estradiol nas células gordurosas a partir de precursores estrogênicos. Além disso, o excesso de peso causa resistência a insulina, com consequente aumento deste hormônio, que como dito anteriormente, também é suspeito de causar malignidade na mama.
O tipo de alimentação ainda gera debate. Apesar de ainda inconclusivos, alguns estudos sugerem que o consumo de uma dieta rica em gordura e carne vermelha e pobre em vegetais e derivados da soja, possa aumentar o risco de câncer de mama.
Do ponto de vista prático, o endocrinologista pode ajudar a diminuir a incidência de câncer de mama, ajudando suas pacientes a perderem peso através de uma alimentação saudável e incentivando a prática de atividades físicas. Além disso, a tão falada terapia de reposição hormonal, deve ser prescrita de maneira criteriosa e não para toda mulher após a menopausa.


Dr. Mateus Dornelles Severo
Médico Endocrinologista
Mestre em Endocrinologia
CREMERS 30.576

29 de setembro de 2015

Cistos de tireoide: avaliação e tratamento

Cistos ou nódulos císticos de tireoide são lesões parcial ou completamente preenchidas por fluido. São muito frequentes, podendo corresponder à metade dos nódulos tireoidianos. A maioria é assintomática e descoberta ao acaso, mas sintomas como dor ou sensação de aperto no pescoço podem ocorrer dependendo do tamanho da lesão.
De acordo com as células que os constituem, os nódulos císticos podem ser benignos (adenoma) ou malignos (carcinoma, isto é, câncer de tireoide). Felizmente, a grande maioria destas lesões é benigna. Estima-se que apenas 2 de cada 100 nódulos císticos sejam malignos. Além disso, as lesões com um componente cístico maior, isto é, com mais fluido do que células, têm um risco menor de serem malignas.

Punção de tireoide guiada por ecografia.

Na avaliação dos nódulos císticos de tireoide são fundamentais: a história clínica do paciente, a dosagem do TSH, a ecografia e a punção aspirativa com agulha fina (PAAF). Cistos simples não precisam ser puncionados, pois são virtualmente sempre benignos. Nódulos císticos com componente sólido devem ser puncionados quando maiores que 1,5-2 centímetros de diâmetro, dependendo de suas características à ecografia, para afastar o diagnóstico de câncer.
O tratamento dos nódulos císticos de tireoide depende do resultado da PAAF. Lesões malignas devem ser retiradas através de cirurgia. Lesões benignas podem ter seu conteúdo líquido aspirado, serem operadas ou simplesmente observadas. Existe ainda a possibilidade de injeção de álcool dentro do cisto após a aspiração do fluido. Contudo, os estudos que avaliaram essa modalidade terapêutica são pequenos, mostraram uma taxa considerável de dor grave a moderada (20%) e acompanharam os pacientes por apenas 6-12 meses, logo, faltam de dados de eficácia em longo prazo.
Se você tem qualquer lesão na tireoide, seja ela cística ou não, procure um endocrinologista para avaliação diagnóstica e terapêutica.

Dr. Mateus Dornelles Severo
Médico Endocrinologista
Mestre em Endocrinologia
CREMERS 30.576

13 de setembro de 2015

Será que meu filho está baixinho? Saiba quando desconfiar de baixa estatura

O que é baixa estatura?

Uma criança ou adolescente é considerada com baixa estatura quando está 2 desvios-padrões abaixo da média idade e sexo, ou seja, quando fica fora dos canais de crescimento nos gráficos. Mais importante do que um medida isolada da estatura, são as medidas consecutivas, que dão informação sobre a velocidade de crescimento. Logo, o acompanhamento regular com o pediatra, mesmo na criança saudável, é fundamental para que se identifiquem aquelas que necessitam de avaliação complementar. Outra maneira de desconfiar de baixa estatura é observando se a criança tem a mesma altura que as outras da mesma idade, embora a avaliação através dos gráficos de crescimento seja muito mais apropriada.



Quais as causas de baixa estatura?

Existem diversas causas de baixa estatura. Estas vão desde doenças genéticas, doenças crônicas (anemia, asma, doenças renais e cardíacas, entre outras), problemas emocionais, doenças esqueléticas e doenças endocrinológicas (raquitismo, diabetes mellitus mal controlado, deficiência do hormônio do crescimento, hipotireoidismo, doenças da adrenal e distúrbios da puberdade).

Como é feita a avaliação da baixa estatura?

A avaliação é feita através da história detalhada da criança desde o nascimento. São avaliados medicamentos em uso, presença de doenças e o desenvolvimento sexual. É importante, se possível, que ambos os pais compareçam a consulta, pois deverão ser medidos para que se possa calcular a altura alvo da criança. Dependendo da avaliação clínica inicial, podem ser pedidos exames gerais, além de raio-x da mão para avaliação da cartilagem de crescimento. Conforme os resultados dessa primeira leva de exames, podem ser necessários testes específicos para confirmação dos diferentes diagnósticos.

Como é feito o tratamento da baixa estatura?

O tratamento depende da causa, sendo que para algumas condições não existe tratamento específico. Por exemplo, na criança com hipotireoidismo, se repõe o hormônio tireoidiano; já na criança com diabete, trata-se a doença apropriadamente.
Ao contrário do que se pensa, o hormônio do crescimento não está indicado para todas as crianças com problemas de crescimento e sim para aquelas com deficiência comprovada ou em grupos selecionados, como meninas com síndrome de Turner ou crianças com insuficiência renal crônica. O tratamento é mantido até o final do crescimento e em alguns casos indefinidamente.
Nas crianças que precisam de tratamento específico, quanto antes este for iniciado, melhores serão os resultados. Logo, quando se identifica ou se desconfia de problemas no crescimento, a criança deve ser prontamente avaliada. Retardar a avaliação esperando que seu filho(a) vá crescer depois pode trazer prejuízos irreparáveis a estatura final.

Se você ou o pediatra percebeu ou desconfia que seu filho(a) possa estar crescendo menos que o esperado, agende consulta com o endocrinologista para avaliação pormenorizada.


Dr. Mateus Dornelles Severo
Médico Endocrinologista
Mestre em Endocrinologia
CREMERS 30.576

6 de setembro de 2015

Hemoglobina glicada e sua importância no seguimento do paciente diabético

O que é hemoglobina glicada?

Hemoglobina glicada ou hemoglobina A1C é um exame de sangue que mostra a média da glicose nos últimos 2 ou 3 meses.
É um exame importante por dois motivos:
- serve para ajudar a diagnosticar o diabetes mellitus;
- no paciente que já tem o diagnóstico, serve para saber se o tratamento está adequado.



Quais os valores normais da hemoglobina glicada?

Nos pacientes que ainda não tem diagnóstico de diabetes, valores de hemoglobina glicada maiores ou iguais a 6,5% sugerem que este paciente possa ter a doença. Logo, deve-se repetir o exame para se confirmar o diagnóstico.
Nos pacientes que já se sabem diabéticos, a hemoglobina glicada deve estar em torno de 7% ou menos. Estes valores querem dizer que a glicose no sangue está bem controlada e o tratamento está sendo feito corretamente.

Com que frequência deve-se fazer o exame?

Se os valores da hemoglobina glicada estiverem abaixo de 7%, o tratamento está adequado, logo o exame pode ser repetido a cada 4 ou 6 meses, dependendo do caso. Mas se os valores estiverem acima de 7%, o tratamento para o diabetes deve ser revisado e ajustado, e o exame deve ser repetido em 2 ou 3 meses.

Qual a importância da hemoglobina glicada?

Várias pesquisas científicas mostram que manter a hemoglobina glicada dentro do normal ajuda a evitar complicações do diabetes como:
- problemas na retina que podem levar a cegueira;
- doenças nos nervos;
- doença renal e hemodiálise;
- doenças vasculares com infarto do miocárdico e acidente vascular encefálico (isquemia).

Se você é diabético, mantenha acompanhamento regular com seu endocrinologista e procure fazer o tratamento da melhor maneira possível para manter a hemoglobina glicada o mais próximo possível do normal.


Dr. Mateus Dornelles Severo
Médico Endocrinologista
Mestre em Endocrinologia
CREMERS 30.576

30 de agosto de 2015

Fadiga adrenal existe ou é um mito criado?

O termo "fadiga adrenal" tem apresentado crescente utilização na mídia, entre leigos e principalmente no meio médico. Contudo, essa condição jamais foi oficialmente reconhecida e comprovada por qualquer sociedade de endocrinologia. Em pesquisa no Google no dia 04/07/2014, a expressão "fadiga + adrenal" apresentou 114.000 resultados e "adrenal + fatigue" apresentou 2.370.000, mostrando a relevância destas terminologias na internet, principal fonte de busca de informações mundial hoje em dia.



Hoje, somente no Brasil, existem muitos profissionais de saúde que recebem formação da existência desta condição através de cursos e palestras. Pelo contrário, é bem menor o número de médicos que escuta que esta "doença" não foi comprovada nem é reconhecida. Por isso, o número de pacientes expostos a profissionais que farão o suposto diagnóstico e tratamento é maior do que o número de pessoas que não serão avaliadas para a existência desta condição não comprovada.
De acordo com a prática da maioria dos médicos que conduzem casos de “fadiga adrenal”, a pesquisa da suposta enfermidade ocorre a partir de um questionário com indagações sobre o bem-estar global, incluindo questões sobre fadiga, bem-estar, qualidade de sono, disposição e humor. Aqueles que forem enquadrados como “suspeitos” para “fadiga adrenal” serão diagnosticados com cortisol sérico basal ou ritmo de cortisol salivar, ambos incaracterísticos de acordo com a Endocrinologia. Aqueles que estiverem com os valores abaixo dos considerados como mínimos (valores que diferem completamente da prática endocrinológica usual) são diagnosticados como portadores de “fadiga adrenal” e logo recebem tratamento com corticoterapia em doses “fisiológicas”. Existem algumas variações desse fluxograma, porém em geral respeita-se esta sequência.
Entre os argumentos dados pelos profissionais que sustentam a teoria da existência desta "doença" (não reconhecida pelas sociedades de endocrinologia) está o fato de o paciente apresentar uma vasta e prolongada clínica antes de apresentar qualquer sinal bioquímico ou hormonal de depleção adrenal. Além disso, respondem muito bem do ponto de vista clínico com a reposição de corticoides.
Contudo, existem contra-argumentos muito lógicos. Primeiro, o início de corticoterapia, mesmo em baixas doses, desencadeia uma sensação temporária de bem-estar e de disposição em grande parte dos pacientes, com aparente melhora dos sintomas. Segundo, é bem estabelecido que mesmo em doses “fisiológicas”, a utilização de corticoterapia aumenta diversos riscos, como cardiovascular e de osteoporose.
Após uma ampla revisão acerca do assunto, que fora realizado da forma mais imparcial possível, várias conclusões foram tomadas.
Primeiro, embora muito utilizado na mídia leiga e nos chamarizes da internet, o termo “fadiga adrenal”, como ele é citado, foi pouquíssimo publicado. Além disso, a qualidade metodológica associada aos trabalhos que utilizam esta expressão é baixíssima. Também, nenhum dos artigos discorre ou cita a etiologia da chamada “fadiga adrenal”. Ou seja, não existe trabalho de qualidade aceitável até o momento. Lembrem-se, trabalho científico não significa evidência. Existem boa e má ciência!
Embora amplamente utilizado na prática médica em vários locais do mundo, o "questionário do Dr. Wilsom" para diagnóstico de “fadiga adrenal” não teve absolutamente nenhum estudo para validação ou utilização como escore de fadiga, ao menos indexado. Por outro lado, o questionário SF-36 Vitality Scale, um escore bem validado e com real grau de correspondência com o grau de fadiga, foi o método utilizado por boa parte dos trabalhos que visaram correlacionar fadiga e alterações do cortisol.
Sabendo-se que o eixo corticotrófico pode estar seriamente comprometido como consequência de alguma doença ou alteração, é recomendado que se avaliem, diagnósticos diferenciais. Entre eles os principais para “fadiga adrenal” são: (1) síndrome da apneia obstrutiva do sono, (2) insuficiência adrenal, (3) trabalho excessivo, (4) diagnósticos mentais, (5) inversão e irregularidade de turno no trabalho, (6) deficiências hormonais de outros eixos, (7) hepatopatias, (8) cardiopatias, (9) nefropatias, (10) DPOC, (11) doenças auto-imunes. Normalmente, estas doenças ou outros problemas justificam praticamente quase totalidade dos casos.
A maior parte dos trabalhos foi excluída devido a falta de qualidade da metodologia e de caráter unicamente descritivos, sem referências de qualidade. Dada a heterogeneidade e diversidade da qualidade e dos tipos de dados e das respostas, pouco pode-se analisar – o cortisol ao acordar e 30 minutos após foi um dos dados mais reproduzidos. O grande número de trabalhos que correlacionou fadiga e cortisol ao levantar ou ao ritmo de cortisol salivar se deve ao fato de que estudos prévios utilizaram estes parâmetros como marcadores. Apenas um estudo realizou uma tentativa de validação. Contudo, é importante ressaltar que a atenuação do cortisol ao levantar, ou seja, o não aumento ou o aumento inadequado em relação ao esperado tende a ser uma consequência, e não causa, da fadiga.
A insuficiência adrenal absoluta pode ser diagnosticada através do cortisol basal abaixo de 3,0 mg/dL, na ausência de medicamentos orais, tópicos, nasais, oftalmológicos ou de qualquer outra espécie. A insuficiência adrenal pode ser de origem primária, cuja deficiência é na própria glândula adrenal, ou secundária, quando a deficiência adrenal decorre da baixa produção de ACTH (que estimula a liberação de cortisol) pela glândula hipófise. Contudo, a forma mais adequada de se avaliar reserva adrenal é por testes funcionais, bem estabelecidos e praticados por endocrinologistas. Para tais avaliações, pode-se realizar o teste da cortrosina, um ACTH sintético para avaliar a reserva adrenal. A falha da resposta ao teste da cortrosina pode denotar insuficiência adrenal primária relativa ou insuficiência adrenal central (hipofisária ou hipotalâmica). Para o teste de avaliação da funcionalidade do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HHA) por completo, a avaliação padrão-ouro é o teste de estímulo por insulina, cujo objetivo é provocar hipoglicemia e criar uma situação de estresse onde um indivíduo saudável irá liberar invariavelmente uma certa quantidade de cortisol. A não liberação adequada demonstra, em algum grau, um comprometimento do eixo HHA. Estes testes são as formas adequadas e recomendadas pelas sociedades de Endocrinologia, para avaliação da função adrenal.
Importante ressaltar que, mesmo numericamente grande, a maior parte dos estudos é exclusivamente descritiva. Ou não buscaram referências, ou fizeram revisões de outros estudos. E todos estes trabalhos não acrescentam em termos de evidência ou qualidade de informação acerca da suposta “fadiga adrenal”.
Embora não tenham utilizado critérios adotados pela Endocrinologia, grande parte dos trabalhos mostrou correlações claras e significativas entre pessoas com maior fadiga e alterações da homeostase e do ritmo de cortisol. Independente do grau de validação dos exames realizados, o encontro da associação, direta ou inversa entre determinado exame e alguma alteração clínica, chama atenção para que o mesmo seja melhor investigado. Contudo, por não se tratar dos testes clássicos e bem estabelecidos de reserva adrenal, é possível que as alterações nos exames encontrados sejam consequência e não causa do quadro de fadiga, pois os mesmos exames não foram correlacionados com verdadeiros testes que mostram a real reserva adrenal. Cabe ressaltar que diferentes populações, como os doentes de diversas patologias anteriormente descritas, poderiam eventualmente ter as alterações descritas. Existe uma importante lacuna em termos de qualidade de informação no que tange a estudos de diminuição de resposta do eixo HHA para indivíduos saudáveis, fadigados (ou em burnout) e que não se encaixam em nenhuma doença, e mesmo para diferentes doenças.
Observa-se que foram criados “novos critérios” que foram fracamente validados, pois não houve correlação com o padrão-ouro vigente e nem com histopatológico ou atividade/liberação direta de cortisol. Nenhum dos autores dos artigos revisados tem formação em Endocrinologia, o que resultou em ausência de trabalhos que eventualmente utilizariam os critérios padrão-ouro da Endocrinologia. A falta de comunicação ou de co-autoridade com a Endocrinologia poderia imprimir uma melhora considerável na qualidade dos estudos e no poder dos achados. Além disso o número de indivíduos avaliados é, sob o ponto de vista de validação, muito aquém do mínimo requerido.
Nestes pequenos estudos, o cortisol ao levantar mais baixo pode representar uma consequência, e não a causa do problema. Ele não expressa a reserva adrenal e por isso não pode ser definido como fator causador, somente como marcador, o que implica em que o uso de hidrocortisona não corrigirá a condição (embora possa causar melhora sintomática temporária devido a ação do próprio fármaco).
O cortisol urinário de 24 horas é o método que permite “enxergar” a liberação continuada em um período de 24 horas, porque a sua concentração é diretamente proporcional e linear com o cortisol sérico, e poderia ser devidamente estudado no futuro.
Dosar cortisol ou qualquer outro marcador apresentado pela maioria destes estudos não ajuda a avaliar necessariamente uma alteração do eixo HHA como etiologia para total ou parte dos sintomas. Portanto, não se pode concluir, e nem sugerir, que o uso de corticoterapia vá corrigir o fator contribuinte. É importante ter muito cuidado em avaliar “resposta terapêutica” com novas dosagens do cortisol, pois a melhora ocorrerá pela ação decorrente do próprio fármaco (corticoide a curto prazo aumenta disposição), sem que isso signifique uma real resposta a doença.
Em suma, as alterações descritas acerca do cortisol podem tanto ser uma das gêneses dos problemas, por falhar aos estímulos gerados, como pode ser consequência da falta de estímulos para a ativação do eixo corticotrófico. Um exemplo claro de alteração do eixo HHA como consequência, e não causa de problemas, é a depressão maior, que torna o ciclo circadiano aberrante, com diminuição da queda esperada ao longo do dia. Portanto, é importante que se conheça a relação entre o eixo liberador de cortisol e os sintomas ou doenças estudados, para que não se atribuam problemas às alterações que na realidade são consequências, como no caso da depressão maior.
Em conclusão, teorias acerca do eixo HHA na gênese de fadiga sempre tiveram um grande espaço na literatura. Contudo, poucos trabalhos pesquisaram e apresentaram de fato dados que aumentassem a robustez destas informações. A relação causa-efeito muitas vezes pode ser um viés confundidor que gera conclusões precipitadas.
A “fadiga adrenal” não foi comprovada, é improvável que exista da forma como é descrita, e se existir, deve ser devidamente avaliada com o que a endocrinologia oferece de critérios diagnósticos para reserva adrenal, e não por critérios “inventados”. Alguns grupos, como pacientes expostos a quimioterapia e os fadigados por “overtraining” podem apresentar alterações, porém mais trabalhos são necessários. É um momento importante para que os “divulgadores” desviem seus esforços para realização de estudos de qualidade para demonstrar que suas afirmações merecem ser consideradas. Enquanto isso, se houver desconfiança de insuficiência adrenal relativa, os testes que avaliam esta alteração de maneira apropriada ainda deverão ser realizados.


Autor principal:
Dr. Flávio A. Cadegiani (endocrinologista e metabolista de Brasilia – DF – CRM/DF 16.219 / CREMESP 160.400) – É DOUTORANDO em Adrenal pela UNIFESP, sendo orientado por uma das maiores autoridades do Brasil no tema, Dr. Cláudio Elias Kater.

Colaboradores do post:
Dr. Ricardo Martins Borges (Nutrólogo de Ribeirão Preto – SP, mestre em medicina pela FMRP – USP) @clinicaricardoborges,
Dra. Tatiana Abrão (endocrinologista e nutróloga de Sorocaba – SP) @tatianaabrao,
Dra. Elza Daniel de Mello (pediatra, gastropediatra, nutróloga em Porto Alegre – RS, mestre e doutora em Ciências médicas – Pediatra pela UFRGS),
Dr. Frederico Lobo (Clínico geral de Goiânia – GO) @drfredericolobo,
Dr. Daniella Costa (nutróloga de Uberlândia – MG) @dradaniellacosta,
Dr. Reinaldo Nunes (endocrinologista e nutrólogo de Campos – RJ, mestre em endocrinologia pela UFRJ) @drreinaldonunes,
Dr. Mateus Dornelles Severo (endocrinologista de Santa Maria – RS, Mestre em Ciências Médicas – Endocrinologia pela UFRGS e doutorando em Ciências médicas – Endocrinologia pela UFRGS) @drmateusendocrino,
Dr. Pedro Paulo Prudente (médico do esporte de Gramado – RS) @drpedropauloprudente,
Dra. Patricia Salles (endocrinologista de São Paulo – SP, mestranda em endocrinologia pela FMUSP), @endoclinicdoctors,
Dra. Camila Bandeira (endocrinologista de Manaus – AM) @endoclinicdoctors,
Dr. Walter Nobrega (clínico Geral do Rio de Janeiro – RJ) @drwalternobrega,
Dra. Deborah Carneiro (pediatra de Goiânia – GO) @dehcarneirolima,
Dr. Yuri Galeno (endocrinologista de Natal – RN) @dryuri_insyde,
Dra. Flávia Tortul (endocrinologista de Campo Grande – MS) @flaviatortul



Referências:

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Manual do paciente: Cinco infrações éticas que são cinco alertas

MANUAL PARA PACIENTES. O objetivo desse manual é fazer um alerta aos pacientes, para que não caiam nas mãos de profissionais que infringem o código de ética médica do Conselho Federal de Medicina (CFM). Vivemos hoje na era da medicina baseada em evidências, não havendo espaço para médicos que batem no peito e dizem “eu faço segundo minha experiência”. CINCO orientações para você ficar atento e desconfiar, pois configuram infração ética:



1) Alegar ser especialista em determinada área, sem ter o nome registrado no site do CFM. Só é especialista quem fez residência médica ou foi aprovado na prova de titulo. Pós-graduação não titula ninguém. SE o seu médico não tem a especialidade registrada no site do CFM, muito provavelmente ele não é especialista.
2) Prescrever medicamentos ou tratamentos proibidos por órgãos regulatórios e entidades de controle e supervisão da prática da medicina (anabolizantes, GH, T3, DHEA ou qualquer outro hormônio sem a deficiência laboratorial comprovada). A utilização de terapêutica experimental é permitida quando aceita pelos órgãos competentes (ANVISA) e com o consentimento do paciente adequadamente esclarecidos da situação e das possíveis consequências.
3) Prescrever tratamentos reconhecidamente proscritos (segundo pareceres e consensos) por sociedades médicas na área (nacionais e internacionais).
4) Expor em redes sociais fotos de antes e depois dos seus pacientes ou foto com os pacientes famosos (paciente não é mercadoria e muito menos troféu).
5) Vender produtos ou remédios prescritos por ele na própria clínica ou direcionar a receita (geralmente medicações manipuladas) para farmácia específica.


Idealizador do post:
Dr. Yuri Galeno (endocrinologista de Natal – RN) @dryuri_insyde,

Colaboradores:
Dr. Ricardo Martins Borges (Nutrólogo de Ribeirão Preto – SP, mestre em medicina pela FMRP – USP) @clinicaricardoborges,
Dra. Tatiana Abrão (endocrinologista e nutróloga de Sorocaba – SP) @tatianaabrao,
Dr. Frederico Lobo (Clínico geral de Goiânia – GO) @drfredericolobo,
Dr. Daniella Costa (nutróloga de Uberlândia – MG) @dradaniellacosta,
Dr. Reinaldo Nunes (endocrinologista e nutrólogo de Campos – RJ, mestre em endocrinologia pela UFRJ) @drreinaldonunes,
Dr. Mateus Dornelles Severo (endocrinologista de Santa Maria – RS, Mestre em Ciências Médicas – Endocrinologia pela UFRGS e doutorando em Ciências médicas – Endocrinologia pela UFRGS) @drmateusendocrino,
Dr. Pedro Paulo Prudente (médico do esporte de Gramado – RS) @drpedropauloprudente,
Dra. Patricia Salles (endocrinologista de São Paulo – SP, mestranda em endocrinologia pela FMUSP), @endoclinicdoctors,
Dra. Camila Bandeira (endocrinologista de Manaus – AM) @endoclinicdoctors,
Dr. Walter Nobrega (clínico Geral do Rio de Janeiro – RJ) @drwalternobrega,
Dra. Deborah Carneiro (pediatra de Goiânia – GO) @dehcarneirolima,
Dr. Flávio Cadegiani (endocrinologista de Brasília – DF, doutorando em adrenal pela UNIFESP) @drflaviocadegiani,
Dra. Flávia Tortul (endocrinologista de Campo Grande – MS) @flaviatortul

16 de agosto de 2015

Hipertireoidismo: quando desconfiar se a tireoide está funcionando demais?

HIPERtireoidismo é como se chama a doença em que a glândula tireoide produz hormônios em excesso. É diferente de HIPOtireoidismo. Nesta última há uma diminuição na produção de hormônios pela tireoide.

O que é tireoide?

A tireoide é uma glândula localizada na região anterior do pescoço, logo abaixo do pomo-de-Adão. É responsável pela produção de hormônios (T4 e T3) que regulam o a maneira como nosso corpo usa a energia, ou seja, nosso metabolismo.
A tireoide, por sua vez, é controlada pela glândula hipófise, localizada na base do cérebro, através de um terceiro hormônio chamado TSH.

Localização da glândula tireoide logo abaixo do pomo-de-Adão.

Quais as causas de hipertireoidismo?

A principal causa de hipertireoidismo é a condição chamada de Doença de Graves (se pronuncia "greives"). Na Doença de Graves, a tireoide é atacada por anticorpos que a estimulam a produzir T4 e T3 em excesso. Pode acometer tanto homens quanto mulheres, mas é mais comum nestas. Os pacientes com Doença de Graves podem desenvolver, além dos sintomas de hipertireoidismo e aumento da tireoide, doença nos olhos, principalmente se fumarem. Chamamos esta doença dos olhos de Orbitopatia de Graves.
Outras causas de hipertireoidismo são:
- nódulos de tireoide tóxicos, ou seja, nódulos que produzem hormônio em excesso;
- tireoidites (inflamação da tireoide). Em alguns casos, essa inflamação é acompanhada por dor na localização da tireoide;
- ingestão de hormônio tireoidiano em excesso (o termo correto é tireotoxicose).

Quais os sintomas do hipertireoidismo?

As pessoas com hipertireoidismo geralmente tem sintomas como:
- ansiedade, irritabilidade e sono agitado;
- fraqueza, especialmente nos braços e coxas, o que torna difícil a subida de escadas;
- tremores finos, especialmente das mãos;
- aumento da produção de suor e intolerância ao calor;
- aceleração dos batimentos cardíacos e arritmias;
- cansaço;
- bócio (aumento do tamanho da tireoide);
- perda de peso apesar do apetite normal ou aumentado.

Como é feito o diagnóstico?

O diagnóstico é simples e feito através da dosagem dos hormônios (TSH, T4 e T3) no sangue. Para determinar a causa do hipertireoidismo, algumas vezes são necessários exames complementares como ecografia e cintilografia de tireoide.

Como é feito o tratamento?

O tratamento depende da causa do hipertireoidismo e pode ser feito com medicamentos, iodo radioativo ou cirurgia.
Caso você apresente sintomas e desconfie que possa estar com hipertireoidismo, procure o endocrinologista para avaliação e tratamento adequados.


Dr. Mateus Dornelles Severo
Médico Endocrinologista
Mestre em Endocrinologia
CREMERS 30.576

12 de agosto de 2015

DHEA e envelhecimento

A dehidroepiandrosterona (DHEA) e sua forma sulfatada, o sulfato de dehidroepiandrosterona (SDHEA), são produzidos pelas glândulas adrenais, que estão localizadas acima de cada um dos rins. O DHEA é considerado um androgênio fraco, isto é, um hormônio que precisa ser convertido em formas mais ativas para exercer suas funções biológicas. A produção do DHEA atinge seu pico por volta do 25 anos. À medida que envelhecemos, sua produção diminui. Por volta dos 80 anos, a concentração de DHEA é cerca de 80 por cento menor.
Pequenas quantidades do DHEA e do SDHEA são convertidas em androgênios mais ativos (androstenediona, androstenediol, testosterona e 5-dihidrotestosterona) ou mesmo em estrogênios (estradiol e estrona) nas glândulas adrenais, nos folículos pilosos (locais onde crescem os pelos), próstata, órgãos genitais e no tecido adiposo (gordura). Estes hormônios mais ativos interagem com os receptores celulares e não o DHEA propriamente dito. Nas mulheres, DHEA e SDHEA são fontes importantes de efeito androgênico, o que não acontece nos homens.



O interesse em suplementar DHEA é crescente. Vários efeitos benéficos têm sido defendidos, como ação vasodilatadora, anti-depressiva, anti-inflamatória, anti-aterosclerótica e mesmo anti-envelhecimento. Mas será o DHEA a tão procurada "fonte da juventude"?
Em pacientes com insuficiência adrenal, doença caracterizada pela redução na produção de corticoides, o uso do DHEA pode ser útil. Diferentes estudos mostram que o uso de doses entre 50 e 200 mg por dia podem melhorar o bem estar e sintomas psicológicos. Alguns destes estudos também evidenciaram, de forma menos consistente, melhora na função sexual, massa óssea e massa magra. Vale lembrar que estes efeitos benéficos foram observados em pessoas com doença adrenal grave e não na redução hormonal relacionada à idade.
Quando utilizado como estratégia "anti-aging", o DHEA não mostra resultados tão animadores. Ensaios clínicos randomizados têm resultados conflitantes com relação ao bem estar, sendo que a maioria dos estudos não consegue demonstrar esse efeito. Com relação ao aumento de massa magra, os estudos são categóricos em afirmar que o uso do DHEA para esta finalidade não funciona. Apesar de estudos em animais evidenciarem redução de gordura abdominal, a maioria dos estudos com seres humanos não evidenciou este efeito. Outras propriedades não observadas foram  prevenção da perda de memória e prevenção de doenças cardiovasculares.  Por fim, o uso de DHEA pode aumentar a densidade mineral óssea, principalmente no fêmur. Contudo, se esta melhora no tecido ósseo se traduz em prevenção de fraturas, ainda não se sabe.
O uso do DHEA não é isento de efeitos adversos. Aumento da oleosidade da pele, crescimento excessivo de pelos, redução do colesterol HDL ("colesterol bom"), palpitações e surtos maníacos podem acontecer, já que estamos falando de um hormônio androgênico. Outro problema é com relação a sua pureza. Como o DHEA é importado e nos Estados Unidos, é considerado um suplemento alimentar, muitas vezes as apresentações comerciais têm origem duvidosa e concentrações diferentes das informadas no rótulo.
Em resumo, apesar de existir a opção de reposição via oral do DHEA, este tipo de tratamento de "modulação hormonal" traz poucos ou nenhum benefício a não ser que o usuário tenha insuficiência adrenal confirmada. Além disso, os estudos que avaliaram este tipo reposição envolveram poucos participantes e não duraram mais do que 2 anos. Isto compromete muito a capacidade de generalização dos resultados principalmente no que se refere à segurança do tratamento. Logo, como podemos perceber, ainda não foi desta vez que a reposição de um hormônio foi capaz de combater o processo de envelhecimento...

Dr. Mateus Dornelles Severo
Médico Endocrinologista
Mestre em Endocrinologia
CREMERS 30.576