30 de agosto de 2015

Fadiga adrenal existe ou é um mito criado?

O termo "fadiga adrenal" tem apresentado crescente utilização na mídia, entre leigos e principalmente no meio médico. Contudo, essa condição jamais foi oficialmente reconhecida e comprovada por qualquer sociedade de endocrinologia. Em pesquisa no Google no dia 04/07/2014, a expressão "fadiga + adrenal" apresentou 114.000 resultados e "adrenal + fatigue" apresentou 2.370.000, mostrando a relevância destas terminologias na internet, principal fonte de busca de informações mundial hoje em dia.



Hoje, somente no Brasil, existem muitos profissionais de saúde que recebem formação da existência desta condição através de cursos e palestras. Pelo contrário, é bem menor o número de médicos que escuta que esta "doença" não foi comprovada nem é reconhecida. Por isso, o número de pacientes expostos a profissionais que farão o suposto diagnóstico e tratamento é maior do que o número de pessoas que não serão avaliadas para a existência desta condição não comprovada.
De acordo com a prática da maioria dos médicos que conduzem casos de “fadiga adrenal”, a pesquisa da suposta enfermidade ocorre a partir de um questionário com indagações sobre o bem-estar global, incluindo questões sobre fadiga, bem-estar, qualidade de sono, disposição e humor. Aqueles que forem enquadrados como “suspeitos” para “fadiga adrenal” serão diagnosticados com cortisol sérico basal ou ritmo de cortisol salivar, ambos incaracterísticos de acordo com a Endocrinologia. Aqueles que estiverem com os valores abaixo dos considerados como mínimos (valores que diferem completamente da prática endocrinológica usual) são diagnosticados como portadores de “fadiga adrenal” e logo recebem tratamento com corticoterapia em doses “fisiológicas”. Existem algumas variações desse fluxograma, porém em geral respeita-se esta sequência.
Entre os argumentos dados pelos profissionais que sustentam a teoria da existência desta "doença" (não reconhecida pelas sociedades de endocrinologia) está o fato de o paciente apresentar uma vasta e prolongada clínica antes de apresentar qualquer sinal bioquímico ou hormonal de depleção adrenal. Além disso, respondem muito bem do ponto de vista clínico com a reposição de corticoides.
Contudo, existem contra-argumentos muito lógicos. Primeiro, o início de corticoterapia, mesmo em baixas doses, desencadeia uma sensação temporária de bem-estar e de disposição em grande parte dos pacientes, com aparente melhora dos sintomas. Segundo, é bem estabelecido que mesmo em doses “fisiológicas”, a utilização de corticoterapia aumenta diversos riscos, como cardiovascular e de osteoporose.
Após uma ampla revisão acerca do assunto, que fora realizado da forma mais imparcial possível, várias conclusões foram tomadas.
Primeiro, embora muito utilizado na mídia leiga e nos chamarizes da internet, o termo “fadiga adrenal”, como ele é citado, foi pouquíssimo publicado. Além disso, a qualidade metodológica associada aos trabalhos que utilizam esta expressão é baixíssima. Também, nenhum dos artigos discorre ou cita a etiologia da chamada “fadiga adrenal”. Ou seja, não existe trabalho de qualidade aceitável até o momento. Lembrem-se, trabalho científico não significa evidência. Existem boa e má ciência!
Embora amplamente utilizado na prática médica em vários locais do mundo, o "questionário do Dr. Wilsom" para diagnóstico de “fadiga adrenal” não teve absolutamente nenhum estudo para validação ou utilização como escore de fadiga, ao menos indexado. Por outro lado, o questionário SF-36 Vitality Scale, um escore bem validado e com real grau de correspondência com o grau de fadiga, foi o método utilizado por boa parte dos trabalhos que visaram correlacionar fadiga e alterações do cortisol.
Sabendo-se que o eixo corticotrófico pode estar seriamente comprometido como consequência de alguma doença ou alteração, é recomendado que se avaliem, diagnósticos diferenciais. Entre eles os principais para “fadiga adrenal” são: (1) síndrome da apneia obstrutiva do sono, (2) insuficiência adrenal, (3) trabalho excessivo, (4) diagnósticos mentais, (5) inversão e irregularidade de turno no trabalho, (6) deficiências hormonais de outros eixos, (7) hepatopatias, (8) cardiopatias, (9) nefropatias, (10) DPOC, (11) doenças auto-imunes. Normalmente, estas doenças ou outros problemas justificam praticamente quase totalidade dos casos.
A maior parte dos trabalhos foi excluída devido a falta de qualidade da metodologia e de caráter unicamente descritivos, sem referências de qualidade. Dada a heterogeneidade e diversidade da qualidade e dos tipos de dados e das respostas, pouco pode-se analisar – o cortisol ao acordar e 30 minutos após foi um dos dados mais reproduzidos. O grande número de trabalhos que correlacionou fadiga e cortisol ao levantar ou ao ritmo de cortisol salivar se deve ao fato de que estudos prévios utilizaram estes parâmetros como marcadores. Apenas um estudo realizou uma tentativa de validação. Contudo, é importante ressaltar que a atenuação do cortisol ao levantar, ou seja, o não aumento ou o aumento inadequado em relação ao esperado tende a ser uma consequência, e não causa, da fadiga.
A insuficiência adrenal absoluta pode ser diagnosticada através do cortisol basal abaixo de 3,0 mg/dL, na ausência de medicamentos orais, tópicos, nasais, oftalmológicos ou de qualquer outra espécie. A insuficiência adrenal pode ser de origem primária, cuja deficiência é na própria glândula adrenal, ou secundária, quando a deficiência adrenal decorre da baixa produção de ACTH (que estimula a liberação de cortisol) pela glândula hipófise. Contudo, a forma mais adequada de se avaliar reserva adrenal é por testes funcionais, bem estabelecidos e praticados por endocrinologistas. Para tais avaliações, pode-se realizar o teste da cortrosina, um ACTH sintético para avaliar a reserva adrenal. A falha da resposta ao teste da cortrosina pode denotar insuficiência adrenal primária relativa ou insuficiência adrenal central (hipofisária ou hipotalâmica). Para o teste de avaliação da funcionalidade do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HHA) por completo, a avaliação padrão-ouro é o teste de estímulo por insulina, cujo objetivo é provocar hipoglicemia e criar uma situação de estresse onde um indivíduo saudável irá liberar invariavelmente uma certa quantidade de cortisol. A não liberação adequada demonstra, em algum grau, um comprometimento do eixo HHA. Estes testes são as formas adequadas e recomendadas pelas sociedades de Endocrinologia, para avaliação da função adrenal.
Importante ressaltar que, mesmo numericamente grande, a maior parte dos estudos é exclusivamente descritiva. Ou não buscaram referências, ou fizeram revisões de outros estudos. E todos estes trabalhos não acrescentam em termos de evidência ou qualidade de informação acerca da suposta “fadiga adrenal”.
Embora não tenham utilizado critérios adotados pela Endocrinologia, grande parte dos trabalhos mostrou correlações claras e significativas entre pessoas com maior fadiga e alterações da homeostase e do ritmo de cortisol. Independente do grau de validação dos exames realizados, o encontro da associação, direta ou inversa entre determinado exame e alguma alteração clínica, chama atenção para que o mesmo seja melhor investigado. Contudo, por não se tratar dos testes clássicos e bem estabelecidos de reserva adrenal, é possível que as alterações nos exames encontrados sejam consequência e não causa do quadro de fadiga, pois os mesmos exames não foram correlacionados com verdadeiros testes que mostram a real reserva adrenal. Cabe ressaltar que diferentes populações, como os doentes de diversas patologias anteriormente descritas, poderiam eventualmente ter as alterações descritas. Existe uma importante lacuna em termos de qualidade de informação no que tange a estudos de diminuição de resposta do eixo HHA para indivíduos saudáveis, fadigados (ou em burnout) e que não se encaixam em nenhuma doença, e mesmo para diferentes doenças.
Observa-se que foram criados “novos critérios” que foram fracamente validados, pois não houve correlação com o padrão-ouro vigente e nem com histopatológico ou atividade/liberação direta de cortisol. Nenhum dos autores dos artigos revisados tem formação em Endocrinologia, o que resultou em ausência de trabalhos que eventualmente utilizariam os critérios padrão-ouro da Endocrinologia. A falta de comunicação ou de co-autoridade com a Endocrinologia poderia imprimir uma melhora considerável na qualidade dos estudos e no poder dos achados. Além disso o número de indivíduos avaliados é, sob o ponto de vista de validação, muito aquém do mínimo requerido.
Nestes pequenos estudos, o cortisol ao levantar mais baixo pode representar uma consequência, e não a causa do problema. Ele não expressa a reserva adrenal e por isso não pode ser definido como fator causador, somente como marcador, o que implica em que o uso de hidrocortisona não corrigirá a condição (embora possa causar melhora sintomática temporária devido a ação do próprio fármaco).
O cortisol urinário de 24 horas é o método que permite “enxergar” a liberação continuada em um período de 24 horas, porque a sua concentração é diretamente proporcional e linear com o cortisol sérico, e poderia ser devidamente estudado no futuro.
Dosar cortisol ou qualquer outro marcador apresentado pela maioria destes estudos não ajuda a avaliar necessariamente uma alteração do eixo HHA como etiologia para total ou parte dos sintomas. Portanto, não se pode concluir, e nem sugerir, que o uso de corticoterapia vá corrigir o fator contribuinte. É importante ter muito cuidado em avaliar “resposta terapêutica” com novas dosagens do cortisol, pois a melhora ocorrerá pela ação decorrente do próprio fármaco (corticoide a curto prazo aumenta disposição), sem que isso signifique uma real resposta a doença.
Em suma, as alterações descritas acerca do cortisol podem tanto ser uma das gêneses dos problemas, por falhar aos estímulos gerados, como pode ser consequência da falta de estímulos para a ativação do eixo corticotrófico. Um exemplo claro de alteração do eixo HHA como consequência, e não causa de problemas, é a depressão maior, que torna o ciclo circadiano aberrante, com diminuição da queda esperada ao longo do dia. Portanto, é importante que se conheça a relação entre o eixo liberador de cortisol e os sintomas ou doenças estudados, para que não se atribuam problemas às alterações que na realidade são consequências, como no caso da depressão maior.
Em conclusão, teorias acerca do eixo HHA na gênese de fadiga sempre tiveram um grande espaço na literatura. Contudo, poucos trabalhos pesquisaram e apresentaram de fato dados que aumentassem a robustez destas informações. A relação causa-efeito muitas vezes pode ser um viés confundidor que gera conclusões precipitadas.
A “fadiga adrenal” não foi comprovada, é improvável que exista da forma como é descrita, e se existir, deve ser devidamente avaliada com o que a endocrinologia oferece de critérios diagnósticos para reserva adrenal, e não por critérios “inventados”. Alguns grupos, como pacientes expostos a quimioterapia e os fadigados por “overtraining” podem apresentar alterações, porém mais trabalhos são necessários. É um momento importante para que os “divulgadores” desviem seus esforços para realização de estudos de qualidade para demonstrar que suas afirmações merecem ser consideradas. Enquanto isso, se houver desconfiança de insuficiência adrenal relativa, os testes que avaliam esta alteração de maneira apropriada ainda deverão ser realizados.


Autor principal:
Dr. Flávio A. Cadegiani (endocrinologista e metabolista de Brasilia – DF – CRM/DF 16.219 / CREMESP 160.400) – É DOUTORANDO em Adrenal pela UNIFESP, sendo orientado por uma das maiores autoridades do Brasil no tema, Dr. Cláudio Elias Kater.

Colaboradores do post:
Dr. Ricardo Martins Borges (Nutrólogo de Ribeirão Preto – SP, mestre em medicina pela FMRP – USP) @clinicaricardoborges,
Dra. Tatiana Abrão (endocrinologista e nutróloga de Sorocaba – SP) @tatianaabrao,
Dra. Elza Daniel de Mello (pediatra, gastropediatra, nutróloga em Porto Alegre – RS, mestre e doutora em Ciências médicas – Pediatra pela UFRGS),
Dr. Frederico Lobo (Clínico geral de Goiânia – GO) @drfredericolobo,
Dr. Daniella Costa (nutróloga de Uberlândia – MG) @dradaniellacosta,
Dr. Reinaldo Nunes (endocrinologista e nutrólogo de Campos – RJ, mestre em endocrinologia pela UFRJ) @drreinaldonunes,
Dr. Mateus Dornelles Severo (endocrinologista de Santa Maria – RS, Mestre em Ciências Médicas – Endocrinologia pela UFRGS e doutorando em Ciências médicas – Endocrinologia pela UFRGS) @drmateusendocrino,
Dr. Pedro Paulo Prudente (médico do esporte de Gramado – RS) @drpedropauloprudente,
Dra. Patricia Salles (endocrinologista de São Paulo – SP, mestranda em endocrinologia pela FMUSP), @endoclinicdoctors,
Dra. Camila Bandeira (endocrinologista de Manaus – AM) @endoclinicdoctors,
Dr. Walter Nobrega (clínico Geral do Rio de Janeiro – RJ) @drwalternobrega,
Dra. Deborah Carneiro (pediatra de Goiânia – GO) @dehcarneirolima,
Dr. Yuri Galeno (endocrinologista de Natal – RN) @dryuri_insyde,
Dra. Flávia Tortul (endocrinologista de Campo Grande – MS) @flaviatortul



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Manual do paciente: Cinco infrações éticas que são cinco alertas

MANUAL PARA PACIENTES. O objetivo desse manual é fazer um alerta aos pacientes, para que não caiam nas mãos de profissionais que infringem o código de ética médica do Conselho Federal de Medicina (CFM). Vivemos hoje na era da medicina baseada em evidências, não havendo espaço para médicos que batem no peito e dizem “eu faço segundo minha experiência”. CINCO orientações para você ficar atento e desconfiar, pois configuram infração ética:



1) Alegar ser especialista em determinada área, sem ter o nome registrado no site do CFM. Só é especialista quem fez residência médica ou foi aprovado na prova de titulo. Pós-graduação não titula ninguém. SE o seu médico não tem a especialidade registrada no site do CFM, muito provavelmente ele não é especialista.
2) Prescrever medicamentos ou tratamentos proibidos por órgãos regulatórios e entidades de controle e supervisão da prática da medicina (anabolizantes, GH, T3, DHEA ou qualquer outro hormônio sem a deficiência laboratorial comprovada). A utilização de terapêutica experimental é permitida quando aceita pelos órgãos competentes (ANVISA) e com o consentimento do paciente adequadamente esclarecidos da situação e das possíveis consequências.
3) Prescrever tratamentos reconhecidamente proscritos (segundo pareceres e consensos) por sociedades médicas na área (nacionais e internacionais).
4) Expor em redes sociais fotos de antes e depois dos seus pacientes ou foto com os pacientes famosos (paciente não é mercadoria e muito menos troféu).
5) Vender produtos ou remédios prescritos por ele na própria clínica ou direcionar a receita (geralmente medicações manipuladas) para farmácia específica.


Idealizador do post:
Dr. Yuri Galeno (endocrinologista de Natal – RN) @dryuri_insyde,

Colaboradores:
Dr. Ricardo Martins Borges (Nutrólogo de Ribeirão Preto – SP, mestre em medicina pela FMRP – USP) @clinicaricardoborges,
Dra. Tatiana Abrão (endocrinologista e nutróloga de Sorocaba – SP) @tatianaabrao,
Dr. Frederico Lobo (Clínico geral de Goiânia – GO) @drfredericolobo,
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Dr. Mateus Dornelles Severo (endocrinologista de Santa Maria – RS, Mestre em Ciências Médicas – Endocrinologia pela UFRGS e doutorando em Ciências médicas – Endocrinologia pela UFRGS) @drmateusendocrino,
Dr. Pedro Paulo Prudente (médico do esporte de Gramado – RS) @drpedropauloprudente,
Dra. Patricia Salles (endocrinologista de São Paulo – SP, mestranda em endocrinologia pela FMUSP), @endoclinicdoctors,
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16 de agosto de 2015

Hipertireoidismo: quando desconfiar se a tireoide está funcionando demais?

HIPERtireoidismo é como se chama a doença em que a glândula tireoide produz hormônios em excesso. É diferente de HIPOtireoidismo. Nesta última há uma diminuição na produção de hormônios pela tireoide.

O que é tireoide?

A tireoide é uma glândula localizada na região anterior do pescoço, logo abaixo do pomo-de-Adão. É responsável pela produção de hormônios (T4 e T3) que regulam o a maneira como nosso corpo usa a energia, ou seja, nosso metabolismo.
A tireoide, por sua vez, é controlada pela glândula hipófise, localizada na base do cérebro, através de um terceiro hormônio chamado TSH.

Localização da glândula tireoide logo abaixo do pomo-de-Adão.

Quais as causas de hipertireoidismo?

A principal causa de hipertireoidismo é a condição chamada de Doença de Graves (se pronuncia "greives"). Na Doença de Graves, a tireoide é atacada por anticorpos que a estimulam a produzir T4 e T3 em excesso. Pode acometer tanto homens quanto mulheres, mas é mais comum nestas. Os pacientes com Doença de Graves podem desenvolver, além dos sintomas de hipertireoidismo e aumento da tireoide, doença nos olhos, principalmente se fumarem. Chamamos esta doença dos olhos de Orbitopatia de Graves.
Outras causas de hipertireoidismo são:
- nódulos de tireoide tóxicos, ou seja, nódulos que produzem hormônio em excesso;
- tireoidites (inflamação da tireoide). Em alguns casos, essa inflamação é acompanhada por dor na localização da tireoide;
- ingestão de hormônio tireoidiano em excesso (o termo correto é tireotoxicose).

Quais os sintomas do hipertireoidismo?

As pessoas com hipertireoidismo geralmente tem sintomas como:
- ansiedade, irritabilidade e sono agitado;
- fraqueza, especialmente nos braços e coxas, o que torna difícil a subida de escadas;
- tremores finos, especialmente das mãos;
- aumento da produção de suor e intolerância ao calor;
- aceleração dos batimentos cardíacos e arritmias;
- cansaço;
- bócio (aumento do tamanho da tireoide);
- perda de peso apesar do apetite normal ou aumentado.

Como é feito o diagnóstico?

O diagnóstico é simples e feito através da dosagem dos hormônios (TSH, T4 e T3) no sangue. Para determinar a causa do hipertireoidismo, algumas vezes são necessários exames complementares como ecografia e cintilografia de tireoide.

Como é feito o tratamento?

O tratamento depende da causa do hipertireoidismo e pode ser feito com medicamentos, iodo radioativo ou cirurgia.
Caso você apresente sintomas e desconfie que possa estar com hipertireoidismo, procure o endocrinologista para avaliação e tratamento adequados.


Dr. Mateus Dornelles Severo
Médico Endocrinologista
Mestre em Endocrinologia
CREMERS 30.576

12 de agosto de 2015

DHEA e envelhecimento

A dehidroepiandrosterona (DHEA) e sua forma sulfatada, o sulfato de dehidroepiandrosterona (SDHEA), são produzidos pelas glândulas adrenais, que estão localizadas acima de cada um dos rins. O DHEA é considerado um androgênio fraco, isto é, um hormônio que precisa ser convertido em formas mais ativas para exercer suas funções biológicas. A produção do DHEA atinge seu pico por volta do 25 anos. À medida que envelhecemos, sua produção diminui. Por volta dos 80 anos, a concentração de DHEA é cerca de 80 por cento menor.
Pequenas quantidades do DHEA e do SDHEA são convertidas em androgênios mais ativos (androstenediona, androstenediol, testosterona e 5-dihidrotestosterona) ou mesmo em estrogênios (estradiol e estrona) nas glândulas adrenais, nos folículos pilosos (locais onde crescem os pelos), próstata, órgãos genitais e no tecido adiposo (gordura). Estes hormônios mais ativos interagem com os receptores celulares e não o DHEA propriamente dito. Nas mulheres, DHEA e SDHEA são fontes importantes de efeito androgênico, o que não acontece nos homens.



O interesse em suplementar DHEA é crescente. Vários efeitos benéficos têm sido defendidos, como ação vasodilatadora, anti-depressiva, anti-inflamatória, anti-aterosclerótica e mesmo anti-envelhecimento. Mas será o DHEA a tão procurada "fonte da juventude"?
Em pacientes com insuficiência adrenal, doença caracterizada pela redução na produção de corticoides, o uso do DHEA pode ser útil. Diferentes estudos mostram que o uso de doses entre 50 e 200 mg por dia podem melhorar o bem estar e sintomas psicológicos. Alguns destes estudos também evidenciaram, de forma menos consistente, melhora na função sexual, massa óssea e massa magra. Vale lembrar que estes efeitos benéficos foram observados em pessoas com doença adrenal grave e não na redução hormonal relacionada à idade.
Quando utilizado como estratégia "anti-aging", o DHEA não mostra resultados tão animadores. Ensaios clínicos randomizados têm resultados conflitantes com relação ao bem estar, sendo que a maioria dos estudos não consegue demonstrar esse efeito. Com relação ao aumento de massa magra, os estudos são categóricos em afirmar que o uso do DHEA para esta finalidade não funciona. Apesar de estudos em animais evidenciarem redução de gordura abdominal, a maioria dos estudos com seres humanos não evidenciou este efeito. Outras propriedades não observadas foram  prevenção da perda de memória e prevenção de doenças cardiovasculares.  Por fim, o uso de DHEA pode aumentar a densidade mineral óssea, principalmente no fêmur. Contudo, se esta melhora no tecido ósseo se traduz em prevenção de fraturas, ainda não se sabe.
O uso do DHEA não é isento de efeitos adversos. Aumento da oleosidade da pele, crescimento excessivo de pelos, redução do colesterol HDL ("colesterol bom"), palpitações e surtos maníacos podem acontecer, já que estamos falando de um hormônio androgênico. Outro problema é com relação a sua pureza. Como o DHEA é importado e nos Estados Unidos, é considerado um suplemento alimentar, muitas vezes as apresentações comerciais têm origem duvidosa e concentrações diferentes das informadas no rótulo.
Em resumo, apesar de existir a opção de reposição via oral do DHEA, este tipo de tratamento de "modulação hormonal" traz poucos ou nenhum benefício a não ser que o usuário tenha insuficiência adrenal confirmada. Além disso, os estudos que avaliaram este tipo reposição envolveram poucos participantes e não duraram mais do que 2 anos. Isto compromete muito a capacidade de generalização dos resultados principalmente no que se refere à segurança do tratamento. Logo, como podemos perceber, ainda não foi desta vez que a reposição de um hormônio foi capaz de combater o processo de envelhecimento...

Dr. Mateus Dornelles Severo
Médico Endocrinologista
Mestre em Endocrinologia
CREMERS 30.576

5 de agosto de 2015

Hormônio do crescimento e envelhecimento

No texto anterior, aprendemos que a medida que o tempo passa, nossas células envelhecem e seus tecidos perdem função. Isso acaba por levar à diminuição nos níveis de alguns hormônios, entre eles o hormônio do crescimento ou GH (do inglês growth hormone). Neste "capítulo", entenderemos um pouco mais sobre como o GH age e o que vai acontecendo à medida que os anos passam...
A glândula hipófise, que está localizada na base do cérebro logo atrás dos nossos olhos, começa a fabricar o GH desde muito cedo, quando ainda estamos dentro do ventre de nossas mães. O gene do GH está localizado no cromossomo 17 e é regulado por interações complexas. A secreção do GH pela hipófise pode ser estimulada ou inibida por diferentes fatores. O GHRH (do inglês growth hormone releasing hormone), por exemplo, é um hormônio produzido na região do cérebro chamada de hipotálamo e estimula a secreção do GH; já a somatostatina, inibe a secreção do GH. Fatores não hormonais também são importantes. A atividade física aumenta a secreção de GH e a obesidade diminui. A liberação do GH pela hipófise acontece em pulsos, isto é, durante a noite na fase de sono profundo, são liberadas grandes quantidades em intervalos pequenos. Esta informação é importante, pois uma dosagem baixa de GH não significa necessariamente que haja deficiência, mas que a coleta do exame foi feita no momento ou de forma incorretos.



Após cair na corrente sanguínea o GH viaja até o fígado onde estimula a produção do IGF-1. É através do IGF-1 que o GH promove o crescimento através da cartilagens localizadas nos ossos longos. Outras funções importantes do GH são aumento da síntese proteica, o que ajuda a formar músculos, e aumento da lipólise, isto é, aumento da queima da gordura estocada.
A medida que ficamos mais velhos, duas coisas acontecem:
1- O hipotálamo reduz progressivamente a secreção do GHRH. Além disso, a hipófise torna-se cada fez menos sensível ao hormônio hipotalâmico. Como consequência, a secreção de GH também cai.
2- Existe a tendência à inatividade com consequente ganho de peso. Como vimos anteriormente, isso também contribui para queda nos níveis do GH. Aqui temos um ponto frequentemente interpretado de maneira incorreta pelos defensores das terapias de "modulação hormonal" para combater o envelhecimento. A queda do GH é consequência da envelhecimento e de um modo de vida sedentário e não a causa! Outro fator que pode piorar a secreção do GH com a idade é a baixa qualidade do sono.
Apesar de todos os indícios apontarem que a queda dos níveis do GH são consequência e não causa do processo de envelhecimento, já foram realizados diversos estudos visando normalizar ou "modular" os níveis deste hormônio na tentativa de manter o bem estar e a juventude. No entanto, os resultados foram ora contraditórios, ora decepcionantes...
Um dos estudos mais bem desenhados sobre o assunto foi publicado na revista médica JAMA em 2002. Neste ensaio clínico randomizado, foram avaliados 131 pacientes (homens e mulheres) com mais de 65 anos. Conforme esperado, o uso do GH ajudou a aumentar a massa muscular, reduzir a massa gordurosa e a melhorar a performance atlética de maneira muito sutil. Contudo, efeitos adversos como inchaço, dores nas juntas, síndrome do túnel do carpo e diabetes foram muito frequentes, o que levou os pesquisadores do estudo a concluir que este tipo de tratamento não deve ser usado, pois os prejuízos à saúde são maiores que os benefícios.
Cinco anos após, em 2007, foi publicada na revista Annals of Internal Medicine um extensa revisão de toda a literatura médica sobre o uso do GH como tratamento "anti-aging". Esta revisão compilou os dados de 18 estudos para chegar às seguintes conclusões:
- os estudos foram curtos demais. Não duraram mais do que 6 meses. Isso limita muito a capacidade de avaliar benefícios e principalmente os possíveis riscos à saúde.
- GH não emagrece. O peso dos participantes se manteve estável. Contudo, em média, houve ganho de 2 quilos de massa magra e perda de 2 quilos de gordura.
- essa mudança na composição corporal não foi capaz de reduzir os níveis de colesterol nem de melhorar a massa óssea após os devidos ajustes às particularidades de cada paciente.
- os pacientes que fizeram uso de GH apresentaram efeitos adversos como inchaço, dores nas juntas, síndrome do túnel do carpo, glicose elevada, diabetes e ginecomastia (crescimento de mamas em homens).
Logo, o uso da terapia de "modulação hormonal" com GH oferece um ganho muito discreto às custas de efeitos adversos muito frequentes e custo elevado. Além disso, estudos com animais têm mostrado que níveis diminuídos de GH estão associados à maior longevidade, uma observação intrigante que põe em cheque a hipótese de que a reposição de hormônio do crescimento seria de fato um tratamento "anti-aging".
Infelizmente, apesar dos fatos científicos e das recomendações em contrário, algumas pessoas ainda buscam e outras ainda oferecem esta falsa "fonte da juventude"...
Fique de olho! E na sequência, conversaremos sobre outros hormônios e seus papéis no envelhecimento.

Referências:
1- Blackman MR et al. Growth hormone and sex steroid administration in healthy aged women and men: a randomized controlled trial. JAMA. 2002;288(18):2282.
2- Liu H et al. Systematic review: the safety and efficacy of growth hormone in the healthy elderly. Ann Intern Med. 2007;146(2):104.

Dr. Mateus Dornelles Severo
Médico Endocrinologista
Mestre em Endocrinologia
CREMERS 30.576